Imobiliário Pós-COVID-19, cenas dos próximos capítulos

Por vezes a vida assemelha-se à realização dum filme em que o realizador surpreende atores e espetadores a cada "take", mudando o enredo, sem pedir licença a ninguém à sua volta. Este ano e a crise do COVID-19 parece um desses filmes! O prémio que acabei de receber como Consultora Individual Nº 1, no Top Nacional da KW Portugal, é mais uma cena inesperada mas gratificante. Há dois meses atrás não imaginaria este desfecho!

Quando comecei este ano tudo apontava para um 2020 caraterizado por pequenos ajustes, especialmente ao nível dos preços do mercado de revenda residencial, a continuação do crescimento e interesse do investimento externo pelo nosso país, o crescimento da atividade de construção de novos imóveis, ou seja, um ano calmo mas dinâmico e de consolidação do crescimento da mediação imobiliária em Portugal registado nos últimos 4~5 anos.

Olhando para trás e foi há tão pouco tempo, tudo isto mudou entretanto! O filme transformou-se e o enredo evoluiu de um musical com nuances de romance para um drama que espero não se venha a transformar num filme de terror!

No que diz respeito à minha atividade, a mediação imobiliária, esta sofreu um primeiro impato no final de Março, ressentiu-se em Abril, mas retomou em força no mês de Maio, coincidindo com as primeiras medidas de desconfinamento. O Junho revelou-se um mês excecional e que se vai estender a Julho, deixando contudo interrogações no ar acerca das cenas dos próximos capítulos.

Será que a mediação imobiliária vai sofrer com a crise económica pós-Covid, mas será capaz de recuperar em 2021? Será o mercado imobiliário capaz de se adaptar a esta "nova normalidade", enquanto uma vacina não estiver disponível? Será que o interesse e perfil dos compradores mudou? Será que o investimento externo e o interesse dos estrangeiros por residir em Portugal se vai manter? Será que a mediação imobiliária tal como era e o número de profissionais que nela trabalham se vai manter? São tudo interrogações que só o evoluir deste "filme" nos vai permitir obter as respostas desejadas. Contudo já existem algumas pistas sobre o que poderá vir a acontecer.

Interesse estrangeiro pelo mercado de mediação nacional

Não é por acaso que os preços das casas subiram 0,5% em Portugal no 2º trimestre de 2020, face ao 1º trimestre, em plena pandemia da Covid-19!

Segundo um estudo do Idealista, baseado obviamente no "asking price", as regiões que assistiram a um aumento de preços em termos trimestrais foram o Norte (2,8%) e o Algarve (1,9%). Por outro lado, desceram no Alentejo (-1,6%), Região Autónoma da Madeira (-0,6%), e Área Metropolitana de Lisboa (-0,3%) e Centro (-0,2%), com especial destaque para a cidade de Coimbra. Para já são bons indícios de que o mercado imobiliário está a resistir.

A procura por imóveis em regiões menos urbanas, mas com infraestruturas, vai ser uma constante nos próximos anos. A procura por imóveis na região de Lisboa continua alta, apenas travada pela dificuldade de ligações aéreas, contudo o interesse não se perdeu. Portugal granjeou popularidade e reconhecimento nos últimos anos e que não vai simplesmente desaparecer. Continuo a ter consultas e intenções de compra de americanos, ingleses, franceses, brasileiros, chineses, etc.

Um dos factos que também está a ajudar tem a ver com a suspensão do Visa Gold nas zonas urbanas aparentar estar suspenso, vamos ver.

Os compradores e a mudança no seu perfil de interesse

Existem mudanças que me parece que vieram para ficar, em linha com o que já estava a acontecer noutras cidades europeias, nomeadamente em França, mesmo antes da pandemia. Muitos compradores procuram moradias ou terrenos para construir, em detrimento da compra ou arrendamento de um apartamento. Muitos deles estão dispostos a abdicar da centralidade urbana em beneficio das áreas e da possibilidade de usufruir de espaço exterior.

O confinamento do COVID-19 e a adoção de uma nova mentalidade por parte das empresas e dos trabalhadores no que diz respeito ao tele-trabalho são as causas que estão a impulsionar esta mudança. A procura de imóveis onde o comprador possa ter um escritório amplo, a procura por zonas mais calmas e tranquilas onde a pressão urbana seja menor, a procura por casas que possuam terraços ou jardim, são a "nova normalidade".

Como consequência, o número de transações e a procura por apartamentos baixou e é neste tipo de imóveis que se está a sentir uma pressão maior pela baixa de preços.

E o setor da mediação imobiliária vai-se manter igual?

Bom, esta é uma incógnita que só os próximos meses irão dar uma resposta. Para já, em conversas com profissionais com maior ligação ao setor, as informações que me chegam apontam para um aumento da intenção de encerramento de pequenas agências imobiliárias, especialmente em zonas como o Alentejo e o Litoral alentejano, interior do país, etc.

Quanto ao número de profissionais que trabalham nesta área, segundo números do INE cerca de 50.000 profissionais trabalhavam a tempo inteiro ou parcial neste setor. Não tenho dúvidas que este número irá reduzir-se substancialmente.

  • Em primeiro lugar porque, o fecho das pequenas agências que têm mais dificuldades em resistir à escassez de tesouraria e à redução de faturação, irá desmobilizar profissionais para continuar a trabalhar neste setor.
  • Em segundo lugar porque o mercado vai encolher em termos de oferta, quer de nova construção quer de habitações usadas, pelo menos nos próximos 12 a 24 meses. Tal vai dificultar a atividade dos profissionais menos preparados, menos empreendedores ou com um leque de ligações menor.

Ou seja a tendência que já vinha acontecendo nos últimos anos de uma maior profissionalização do setor, veio para ficar. As grandes marcas de franchising imobiliário, tal como a KW Portugal onde eu trabalho, continuam a crescer em numero de consultores e em número de agências/market centers durante a pandemia COVID-19.

Por exemplo, o meu Market Center: a KW Sol, teve um crescimento de 20% em Junho face ao ano anterior, em número de transações e em número de consultores!

Por outro lado, iremos assitir muito provavelmente a uma dinâmica maior de mudança por parte dos profissionais deste setor. Já aconteceu no passado, noutras crises e também neste setor, e são uma consequência da luta aguerrida que cada profissional terá que assumir para poder sobreviver e procurar o espaço que melhor servir à evolução da sua carreira.

Conclusão

Nada será como dantes, isso para mim é um dado adquirido. Crises como esta, que são transversais ao mundo inteiro e mexem com o lado económico e financeiro, mas também com a cabeça das pessoas são acontecimentos de destruição mas também de regeneração.

Os desafios são mais do que muitos! Para sobreviver e vencer na era pós-COVID o esforço terá que aumentar, pelo menos para aqueles que estejam dispostos a sobreviver. E só vencerão os mais qualificados e aqueles que estão dispostos a mudar. Um mar calmo nunca fez um bom marinheiro! Em tempos de tempestade importa manter o barco à tona, mas acima de tudo lutar para manter o rumo.

Mudanças de estratégia só para melhor, pois estes não são tempos de aventureirismo mas sim de consolidação do trabalho feito no passado. Quem se preocupou, antes desta crise, em trabalhar afincadamente antecipando a tempestade que já muitos anteviam, está mais bem preparado para atravessar a tempestade e manter o rumo na procura da Mar da Boa Bonança.

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