Vale tudo menos arrancar portas...

Vem o título deste meu artigo a propósito da famosa expressão "vale tudo menos arrancar olhos". Esta frase disseminada por diversas culturas e idiomas tem origem numa modalidade "desportiva" denominada Pankration e que outrora fez parte dos Jogos Olímpicos Gregos. Essa antiga modalidade de luta tinha como única regra: "vale tudo menos arrancar olhos ou morder o adversário".

A bem da verdade os Espartanos até arrancar olhos permitiam:). Esta luta brutal terminava frequentemente com a morte de um dos oponentes, quando não a de ambos, e era o preço a pagar pela glória de entrar na famosa arena olímpica.

Os números do emprego na atividade imobiliária

Em Portugal e nos últimos anos, o setor imobiliário tem crescido como nunca antes acontecera, no que respeita ao número de profissionais que decidiram enveredar por este ramo de actividade. A crise económica, o desemprego, a escassez de boas oportunidades de carreira, as mudanças no emprego associadas à globalização e os desafios tecnológicos têm ajudado a essa decisão.

Segundo a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP) e os últimos dados do INE, nos últimos dois anos as vendas terão crescido em torno de 50%, o número de empresas de mediação imobiliária já ultrapassou as 6000 e o nº de trabalhadores anda próximo dos 50.000.

Evolução do número de trabalhadores ligados à Atividade Imobiliária

Ou seja, nos últimos 4 anos o número de profissionais ligados ao setor imobiliário terá praticamente duplicado. Considerando que existe uma nova vaga de imigração de trabalhadores qualificados, com especial ênfase para o Brasil, e que vêem nesta atividade uma porta de acesso mais fácil para aceder ao mercado de emprego - pois esta não descrimina género, idade ou habilitações - não surpreende que este número possa até vir a crescer.

Deontologia ou a falta dela

Se por um lado, para se poder exercer a atividade de mediação imobiliária (indivíduos ou empresas) é necessária uma licença emitida pelo IMPIC - Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, a qual condiciona a respetiva atribuição à idoneidade comercial e da ficha criminal limpa, o facto é que esta licença é maioritariamente atribuída a empresas - sendo que os milhares de trabalhadores que trabalham nesta atividade fazem-no habitualmente em nome de uma empresa licenciada, não estando porém sujeitos a uma licença ou regulação especial para a poderem exercer.

A mesma falta de regulação individual é extensível ao código deontológico.

Se por um lado existem associações de mediadores licenciados - cuja inscrição é facultativa - que procuram impor regras de ética aos seus associados, tais como a:

  • APEMIP - Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal que é a maior associação do ramo e possui nos seus estatutos a obrigatoriedade dos seus associados cumprirem o seu próprio Código de Deontologia, incorrendo em penalizações disciplinares caso não o respeitem.
  • ASMIP - Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal que com o mesmo propósito, possui um Projeto de Código de Ética e Deontologia Profissional, mas que ainda está por aprovar.

Por outro lado não existe uma licença individual, certificado de aptidão profissional, carteira profissional ou código deontológico que condicione o exercício da atividade dos milhares de consultores imobiliários que operam em nome das empresas de mediação imobiliária licenciadas.

Ou seja, sejam quais forem as "falhas" ou "desonestidades" em que um consultor possa incorrer no exercício desta atividade, o acesso à carreira nunca lhe será vedado, pois pode sempre mudar de empresa de mediação. E como existem mais de 6000...

Arrancar olhos ou morder o adversário?

Este acréscimo de trabalhadores, muitos dos quais sem experiência anterior nesta atividade, tem sido feito ao abrigo da formação, ou da falta dela, que cada empresa de mediação dedica aos novos colaboradores.

Se na Keller Williams, a empresa para a qual trabalho, a formação é um pilar da marca, sendo que à formação inicial bastante intensa se seguem formações contínuas que visam melhorar as aptidões e comportamentos dos respetivos consultores, tal não é infelizmente uma constante neste mercado.

Este contexto desregulado promoveu a criação de um "ambiente facilitador e de impunidade" em que os maus comportamentos podem proliferar:

  • Consultores que desenvolvem esta atividade recorrendo a mão-de-obra "oculta", não ligada formalmente a nenhuma empresa de mediação, fomentando muitas vezes a economia informal e sem respeitar as desejáveis boas práticas profissionais.
  • Consultores que desenvolvem uma atividade em que a ética (face aos seus colegas, da mesma empresa ou de outras concorrentes) não existe e a "mentira" ou "informação errada" é transmitida aos clientes e usada como argumento de competição comercial.
  • Empresas e consultores que participam em esquemas de falseamento de informação que afecta especialmente clientes internacionais, cuja barreira linguística e desconhecimento do mercado nacional é maior, levando muitas vezes à tentação pelos "famosos negócios da china" que o imobiliário, pelos elevados valores em causa, pode proporcionar.
  • Intitulados Consultores que oferecem "os mesmos" serviços de mediação, sem licença e com comissões mais baixas do que os "legais" e "sem impostos", com os respetivos riscos associados.
  • Burlas, desonestidades, maus serviços, etc. etc. a lista é grande e não vale a pena ir mais longe.

Conclusão

Considerando os elevados montantes mediados por esta atividade - em 2017 o número de transações de imóveis em Portugal subiu 13,5% face a 2016, atingindo um volume total de 24,3 mil milhões de euros de imóveis transacionados (valor máximo desde 2008) - segundo números divulgados pela APEMIP, urge regular, licenciar e profissionalizar a atividade de Consultor Imobiliário.

Só através da implementação de um quadro regulador que envolva a atribuição de uma licença profissional, revogável e que condicione positivamente as práticas desta profissão, será possível introduzir maior credibilidade neste mercado, constituindo deste modo uma garantia do exercício da profissão num ambiente de transparência e idoneidade.

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