Uma visão sobre o futuro da mediação imobiliária

Lisboa, 21 de Março de 2047

Sofia, acordou ao som de música oriental, a qual a despertou de forma gradual. Espreguiçando-se, espreitou lá para fora por entre o bulício crepitante da cidade que mal dormia...

Observou pela enésima vez a luz de Lisboa, amarelada àquela hora, que se espraiava pelos telhados de cor ocre e telhas ondulantes e exclamou em voz alta:

  • Hoje vou procurar uma casa maior! Quero mudar, nem que seja a vista! - exclamou.

O seu assistente pessoal, Bruno da série RX-Versão Gold 7, respondeu num tom de voz calmo e confiante, através da projeção holográfica:

  • Bom dia Sofia! Quer que a ajude? Posso apresentar-lhe um mosaico de opções?

Sofia acenou com um movimento afirmativo e de imediato, a imagem virtual do seu assistente, vestido com traje oriental e tez bronzeada, deu lugar a um mosaico 3D projetado no espaço do seu pequeno apartamento. As imagens de múltiplos apartamentos, sucediam-se num caleidoscópio de cores e cenários animados, e que ao menor gesto de Sofia paravam e se ampliavam através dos movimentos das suas mãos. Até que Sofia, se focou numa só imagem e exclamou:

  • Como adivinhaste?!! - perguntou surpreendida - Eu sempre sonhei viver numa casa com vista sobre o Tejo! E a decoração é perfeita! Quero! Quero! Quero!

E enquanto Sofia saltitava de emoção ouviu Bruno, o assistente pessoal, responder:

  • Sabe perfeitamente que o seu perfil está armazenado na minha memória e que o seu dia-a-dia é monitorizado pela nossa rede global de forma a conhecer os seus gostos pessoais, prever as suas tendências de consumo e ligá-las ao produto que mais se adequa ao seu perfil.

É claro que Sofia já o sabia, tinha dado o seu aval prévio a esta monitorização constante, que gravava cada minuto da sua vida, cada diálogo, cada viagem, cada compra, a sua carreira profissional, os seus momentos altos e baixos, tudo isto de forma constante e invisível ao longo da sua vida. Assim a vida era mais fácil...

  • Eu sei! Mas ás vezes quase que me esqueço. - respondeu, enquanto sorria - Podes apresentar-me uma visita virtual?

De imediato as luzes do apartamento escureceram, as paredes envidraçadas esconderam o exterior e Sofia sentiu-se envolvida por uma projeção tridimensional, onde os movimentos das suas mãos orientavam a visita virtual e as imagens 3D da casa escolhida abriam-se ao seu olhar, mostrando cada divisão e cada espaço interior ou exterior.

Satisfeita com o que viu, Sofia ordenou a Bruno que tratasse dos aspetos processuais da compra da casa, de forma automática, sabendo de antemão que Bruno, conhecedor da sua situação financeira, só lhe tinha apresentado o apartamento cujo preço e localização se enquadravam nas suas disponibilidades e necessidades profissionais.

Bruno, de imediato, participou no leilão em que outros assistentes automáticos disputavam a mesma casa, colocou a melhor oferta, venceu e ainda conseguiu negociar um pack de viagem de férias como bónus adicional graças ao perfil de consumo de Sofia e aos contratos negociados em fração de segundo com diversas empresas de decoração e mobiliário.

É claro que a casa que Sofia tinha escolhido estava obviamente vazia mas o software do autómato, durante a visita virtual, encarregou-se de mostrar as imagens das divisões preenchidas de forma computorizada com o mobiliário e a decoração disponíveis no mercado on-line e que iam ao encontro do gosto pessoal de Sofia.

Uns dias mais tarde, Sofia abandona o seu apartamento anterior - entretanto arrendado por Bruno na bolsa online de turismo - e entra feliz no seu novo apartamento, decorado de forma idêntica às imagens que Bruno lhe tinha mostrado.

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Este cenário, que parece distante no tempo, traz, como em tudo o que resulta do progresso, uma visão ao mesmo tempo animadora para o consumidor mas preocupante para os profissionais da mediação imobiliária.

A realidade é que esse tempo não está assim tão distante da atualidade. Um pouco por todo o mundo, a investigação em Big Data, em Inteligência Artificial e em Óculos Virtuais, esboça já uma nova realidade neste sector.

Começam a surgir as primeiras empresas de mediação em que o proprietário submete sozinho os dados do seu imóvel para venda, em plataformas que os apresentam de forma digital e com filtros inteligentes ao potencial comprador, sendo que a mediação é feita através de telefone por agentes de Call Center, minimizando assim o valor das comissões envolvidas no negócio. As visitas ao imóvel, por parte do comprador interessado, são facilitadas por colaboradores com menor formação e valências profissionais. Objetivo: queimar etapas entre o vendedor e o comprador e automatizar o processo de venda imobiliária.

Se por enquanto nestas empresas o fator humano ainda existe, embora com menos valor acrescentado, o pretendido, tal como no caso da Uber e de outras empresas apelidadas de Unicórnios, reside no futuro onde as plataformas digitais venham a substituir a intervenção humana.

Faço votos para que não, mas os sinais estão aí e a realidade tende a impor-se, independentemente da nossa vontade!

Espero, no entanto, que a morte anunciada de algumas profissões dê lugar a novos serviços e que novas profissões surjam no futuro, de modo a criarem novas oportunidades para todos nós.

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