A nova Lei dos Solos: o que Muda?

A recente promulgação da nova Lei dos Solos pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, gerou uma onda de discussões no país. Para uns, trata-se de boas notícias, mas para outros, poderá significar desafios adicionais.

Mas o que muda com este novo Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, e qual será o impacto efetivo no mercado imobiliário e no acesso à habitação? Vamos explorar as especificidades desta reforma e os principais efeitos previstos.

O contexto: uma resposta à crise da habitação

Nos últimos anos, a crise da habitação em Portugal tem sido uma questão prioritária, em linha com o que está acontecer noutros países da Europa. O aumento contínuo dos preços, a escassez de oferta, a pressão imigratória e as dificuldades de acesso ao crédito à habitação têm colocado muitas famílias numa situação de extrema vulnerabilidade. Diante deste cenário, o Governo português avançou com a nova Lei dos Solos, parte integrante do plano “Construir Portugal”, com o objetivo de aumentar a oferta de habitação, especialmente para os grupos com menores rendimentos.

A medida visa também modernizar o modelo de ordenamento do território, permitindo uma utilização mais eficiente dos solos, sem comprometer a sustentabilidade ou a qualidade de vida nas áreas urbanas e rurais. Além disso, procura agilizar a eficácia desta intervenção de emergência, sem depender de alterações nos 308 PDMs (Planos Diretores Municipais) do país.

O que muda concretamente?

A principal novidade trazida pela nova Lei dos Solos é a possibilidade de construir habitação em terrenos rústicos, algo que antes não era permitido. Esta mudança promete alterar significativamente o panorama imobiliário, mas não sem algumas regras e condições a serem seguidas. Aqui estão as principais especificidades da lei:

  • Habitação Pública e Acessível: O foco principal da nova legislação está na construção de habitação pública e acessível. Isto significa que as novas construções devem, prioritariamente, atender às necessidades de famílias com rendimentos baixos ou medianos. Isto implica uma maior intervenção dos municípios na construção pública, o que levanta algumas incógnitas, uma vez que a sua efetividade real pode variar bastante consoante as disponibilidades orçamentais e o dinamismo das políticas de cada município.
  • Preços Moderados: Para garantir que os preços se mantenham dentro de um limite razoável, a lei estabelece um teto máximo para o preço do metro quadrado de área bruta privativa. Este valor não pode ultrapassar 125% da mediana do preço do metro quadrado no concelho onde o imóvel se localiza ou 225% da mediana nacional. Esta medida visa evitar a especulação imobiliária e garantir que a construção de novas casas não contribua para um aumento excessivo dos preços. Estes valores de mediana são apurados de acordo com a última estatística disponível do Instituto Nacional de Estatística, à data da celebração do contrato de compra e venda, considerando todas as transações no caso dos preços de venda.
  • Distribuição de Tipologias e Prazos: A maior parte das habitações (70%) terá de ser destinada a preços moderados ou arrendamento acessível. Além disso, as obras devem ser concluídas num prazo máximo de 5 anos, com a possibilidade de prorrogação por razões excecionais. Caso não sejam cumpridos os prazos estabelecidos, a reclassificação do terreno pode ser revertida.
  • Critérios Claros para Conversão de Solos: A nova lei especifica os critérios e os procedimentos necessários para a conversão de terrenos rústicos em terrenos aptos para construção. Estes critérios visam assegurar que o processo seja transparente, evitando decisões arbitrárias que possam prejudicar o ordenamento do território, e não ignorar as muitas situações de corrupção de agentes municipais associadas a casos de alterações em sede de PDM.

Impacto no mercado imobiliário

O impacto no mercado imobiliário será substancial, principalmente pelo aumento da oferta de terrenos para construção e a maior oferta de habitação. A seguir, destacamos os principais efeitos previstos:

  • Aumento da Oferta de Habitação: Com a possibilidade de construir em terrenos rústicos, espera-se um aumento da oferta de imóveis, particularmente em regiões periféricas e rurais. Este incremento poderá ajudar a estabilizar o mercado, dando resposta a uma procura crescente e ajudando a controlar os preços.
  • Foco na Habitação Acessível: O objetivo de garantir a construção de habitação a preços mais baixos poderá facilitar o acesso à casa própria ou ao arrendamento para muitas famílias. Com um foco claro na habitação de valor moderado, espera-se que o mercado seja mais inclusivo e que a classe média, especialmente em áreas menos centralizadas ou até nas zonas suburbanas.
  • Dinâmica no Mercado de Terrenos: É provável que o mercado de terrenos rústicos viva um aquecimento nos próximos tempos, com muitos proprietários a procurarem reclassificar os seus terrenos para construção. Isso poderá, por um lado, tornar a oferta de terrenos mais dinâmica, mas, por outro, levar a uma pressão maior sobre os preços dos mesmos.

Impacto no Acesso à Habitação

O grande objetivo da nova Lei dos Solos é aumentar o acesso à habitação para todos os cidadãos. De acordo com a legislação, os principais benefícios para o acesso à habitação deverão ser os seguintes:

  • Maior Disponibilidade de Habitação: O aumento da oferta, especialmente em locais onde a construção estava anteriormente proibida, deverá ajudar a aliviar a pressão sobre o mercado, tornando mais fácil a satisfação da procura por habitação. Este efeito será mais notório na periferia das grandes cidades, nomeadamente Lisboa e Porto, onde ainda existem muitos terrenos classificados como rústicos. Estão excluídos desta intervenção os terrenos situados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional.
  • Preços Mais Acessíveis: Com a introdução de preços controlados, a nova lei poderá contribuir para tornar a casa própria ou o arrendamento mais viáveis para famílias com rendimentos mais baixos ou medianos. A criação de uma oferta de habitação pública também será crucial para a redução da pressão sobre o mercado privado.

Controvérsias e Alertas

Embora a nova Lei dos Solos traga medidas positivas, também existem várias críticas e preocupações que não podem ser ignoradas:

  • Especulação Imobiliária: A possibilidade de reclassificar terrenos rústicos para urbanos pode incentivar alguns investidores a comprar terrenos com a expectativa de os vender mais tarde, já urbanizados, a preços mais elevados. Isso poderia contrariar o objetivo de controle de preços e de garantir habitação acessível.
  • Pressão sobre Infraestruturas: A construção em terrenos rústicos poderá resultar numa pressão significativa sobre as infraestruturas existentes, como redes de transporte, fornecimento de água e serviços públicos. A gestão urbanística precisa ser cuidadosa para evitar sobrecargas nas comunidades já existentes.
  • Lacunas na Legislação: Alguns autarcas e especialistas apontam para eventuais lacunas na lei, especialmente no que toca à sua aplicação prática. A falta de regulamentação clara sobre algumas questões específicas pode dificultar a implementação das medidas previstas.
  • Risco de corrupção: Especialistas e partidos políticos alertam que a maior flexibilidade na reclassificação de terrenos rústicos para urbanos pode abrir portas a práticas corruptas, como favorecimento de interesses privados em detrimento do interesse público.

Em Resumo

A nova Lei dos Solos surge como uma tentativa de dar resposta à crise da habitação em Portugal, procurando aumentar a oferta de imóveis acessíveis e dar soluções para as famílias que lutam para encontrar uma casa própria ou arrendada a preços razoáveis. Com a possibilidade de construir em terrenos rústicos e a imposição de preços controlados, a reforma tem o potencial de impactar positivamente o mercado imobiliário e facilitar o acesso à habitação.

No entanto, é importante ter em mente que a aplicação desta nova legislação exige um acompanhamento rigoroso para garantir que os benefícios sejam realmente alcançados, sem prejudicar a sustentabilidade ambiental ou a qualidade de vida das populações.

Nota importante: Este artigo tem uma natureza informativa e não substitui a consulta da legislação oficial.

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