Esta é uma das consequências das alterações aprovadas, no último conselho de ministros, ao Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJET).
Eduardo Jesus, o secretário de estado, justificou este diploma com a necessidade de “adequar a oferta de alojamento, no que concerne às tipologias, à realidade e às tendências de mercado”, bem como simplificar procedimentos.
A simplificação dos licenciamentos far-se-á através da diminuição de prazos e da inclusão de novos modelos de alojamento como o glamping (campismo de luxo). Por outro lado, passa a ser obrigatório que as plataformas que promovem o alojamento turístico e arrendamento de curta duração (tais como o Airbnb e similares, Booking, etc.), só comercializem locais previamente registados no Registo Nacional de Turismo.
A conhecida plataforma Booking já veio confirmar que irá respeitar as novas disposições legais, publicitando apenas empreendimentos que estejam devidamente legalizados:
"Estamos felizes em trabalhar com as autoridades competentes para garantir que estamos atualizados quanto a regras e regulamentos locais. Como tal, tivemos um diálogo muito positivo e construtivo com as autoridades em Portugal e, obviamente, cumpriremos esta nova lei, como sempre fazemos", lê-se na nota da empresa."
O boom das plataformas de arrendamento turístico
O panorama da promoção de alojamento turístico sofreu uma grande mudança com a introdução de aplicações web que colocam a oferta de anfitriões de todo o mundo à distância de um click. No seguimento do sucesso do Airbnb surgiram múltiplas alternativas, com funcionamento mais ou menos semelhante, ou mais ou menos especializados: HomeAway, Villas.com, HouseTrip, Roomorama, Greetings, Homestay, Windu, Casamundo, etc., etc. E as novidades não param de surgir!
Esta nova forma de publicitar casas para alugar não é pacífica, quer para a concorrência mais tradicional - a hotelaria - quer para os governos de vários países que tentam desacelerar este movimento, responsável pelo aumento das rendas especialmente nos centros históricos das grandes cidades.
Em Portugal, o impacto destas plataformas é notório em cidades como Lisboa, Porto e Faro e tem contribuído por um lado para o aumento das rendas, dificultando o acesso ao arrendamento tradicional, mas por outro lado aumentou o investimento imobiliário e a requalificação urbana.
As principais mudanças no Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos
Este diploma, insere-se no Programa SIMPLEX+ que, para além da alteração mencionada, contempla outras medidas tais como:
- Diminuição dos prazos previstos no RJET anterior;
- Previsibilidade dos tempos de resposta aos investidores, seja esta favorável ou desfavorável. A ausência de resposta por parte das entidades licenciadoras implica um deferimento tácito, possibilitando-se o início das obras, caso o prazo máximo seja ultrapassado, sem que as respetivas entidades se pronunciem;
- Simplificação da instalação de hotéis em edifícios já existentes de modo a “incentivar e promover requalificações de património existente”;
- Possibilidade de abertura dos hotéis mal terminem as obras de construção ou requalificação, mediante apresentação de termos de responsabilidade;
- A instalação de empreendimentos turísticos em solo rústico estará dependente da decisão de uma comissão (a qual inclui a câmara municipal competente e outras entidades) e que deverá decidir num prazo máximo de 60 dias, se os mesmos cumprem as disposições legais em vigor;
- Regressa novamente a obrigatoriedade de classificar os hotéis com o número de estrelas.
Política do governo para o arrendamento de curta duração
Estas medidas inserem-se numa política fiscal e económica que resultam do estudo de um grupo de trabalho de Políticas de Habitação, constituído por representantes do Governo, PS e BE. Este grupo tem vindo trabalhar no sentido de regulamentar a atividade do alojamento local, através de medidas que levem à moderação, compensação e diversificação, visando mitigar os “eventuais efeitos perversos” desta atividade.
As plataformas online de arrendamento de curta duração tipo Airbnb e similares, bem como os sites de promoção turística entre os quais se destacam o Booking e o Trivago, contribuíram em grande parte para o crescimento impressionante do arrendamento local observado nos últimos anos, em Portugal e noutros países. Estas empresas publicitam arrendamento turístico de apartamentos e moradias cuja atividade concorre diretamente com o setor da hotelaria e têm sido alvo de diversas medidas que procuram regulamentar e ao mesmo tempo reduzir, os fatores de concorrência desleal que algumas destas ofertas originavam.
Recordo que o Orçamento de Estado para 2017 já tinha introduzido um agravamento fiscal para o arrendamento local equiparando-o ao arrendamento tradicional:
Os contribuintes enquadrados no regime simplificado, que declarem rendimentos obtidos através da exploração da atividade de alojamento local (nomeadamente através do aluguer de curta duração de moradias ou apartamentos, via Airbnb ou outros), irão sofrer um agravamento, sendo que o coeficiente a aplicar para determinação do rendimento tributável passa de 0,15 para 0,35, em 2017.
Ou seja, por cada €100 de rendimento, apenas €35 é que são tributados, isto caso optem pela declaração na categoria B como rendimentos empresariais, alternativamente, podem optar pela tributação como rendimento predial (categoria F), cuja taxa é de 28%.
Assim, com a obrigatoriedade de registar a oferta turística destes imóveis no Registo Nacional de Turismo reduzem-se significativamente os riscos de fuga fiscal, aumentando em simultâneo as receitas fiscais provenientes desta atividade económica. Por outro lado o registo da oferta turística numa base de dados pública facilita a inspeção e a regulação deste tipo de alojamento.
Mas a pressão fiscal não vem apenas do governo, recordo que o município de Lisboa implementou em 2016 a Taxa Turística Municipal (1 Euro por cada dia de alojamento) e que tem vindo a ganhar adeptos: primeiro foi Lisboa em 2016, depois foi Faro, a partir do início deste ano, e agora anuncia-se Cascais, sendo que o Porto equaciona implementar uma taxa semelhante.
Só em 2016 Lisboa cobrou um valor superior a 13,5 M de euros, sendo que o Airbnb foi responsável por uma parte significativa desta receita, garantida através de um protocolo assinado por ambas as partes.
Fuga Fiscal associada ao arrendamento local
O não pagamento de impostos por parte de alguns proprietários que desenvolvem a atividade económica de arrendamento local é um risco reconhecido.
Segundo um estudo recente: “Alojamento Local em Portugal — Qual o fenómeno?”, encomendado pela Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) e desenvolvido em parceria pela Nova School of Business and Economics e a Faculdade de Direito da Nova:
Os proprietários de casas de alojamento local nas freguesias de Santa Maria Maior e Misericórdia, em Lisboa, e também no centro do Porto são quem mais foge ao Fisco, uma constatação retirada do cruzamento de dados entre o Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL) e os anúncios em plataformas como a Airbnb. Os algarvios são os mais cumpridores.
O estudo passou a pente fino todos os dados que constam do registo oficial destas unidades de turismo e cruzou-os com o número de propriedades inscritas nas principais plataformas de alojamento.
Quando se compara as duas realidades percebe-se que na zona de Lisboa encontramos mais 59% de unidades inscritas na Airbnb do que aquelas que estão efetivamente inscritas no RNAL e no Porto esse desvio chega aos 98%. Já tínhamos uma perceção do desvio, mas este estudo surpreendeu-nos por mostrar desvios tão evidentes, como acontece no Porto, por exemplo. É tudo economia paralela”
Segundo Cristina Siza Vieira, vice-presidente da AHP, a nível nacional existem cerca de 45 mil unidades registadas na Airbnb enquanto os registos oficiais se ficam pelas 31.330 propriedades. Ou seja, uma situação de ilegalidade que abrange 40% das propriedades.
Impacto positivo do Arrendamento Local
Embora o impacto negativo da economia informal associada a esta atividade económica não possa ser desvalorizado, existem outros fatores positivos que o arrendamento local trouxe às nossas cidades e que devem ser valorizados:
- Regeneração dos centros urbanos. Quem visita as cidades do Porto e de Lisboa (especialmente os centros históricos) e se recorda da realidade de há alguns anos atrás, sabe do que estou a falar;
- Requalificação do património edificado. É talvez um das maiores vantagens que o arrendamento local trouxe às grandes cidades;
- Diversificação social com maior impacto no centro das cidades;
- Complemento de receita para os proprietários e moradores de casas, bem como o aumento das receitas cobradas pelo estado e municípios;
- A atividade da construção civil e de outros serviços associados à recuperação de imóveis para arrendamento local, tem sido responsável pela criação de emprego. O setor da promoção imobiliária também tem sido beneficiado;
- O turismo associado ao arrendamento local tem sido um dos responsáveis pela recuperação económica observada nos últimos anos.