Eis-me de volta à atividade depois das férias de Verão, num trimestre que, por norma, vai perdendo dinâmica imobiliária até chegarmos ao tão aguardado Natal e Ano Novo. Mas será mesmo sempre assim? O que há de novo este ano?
Decidi, por isso, escrever sobre os mitos que ensombram a habitação no nosso país, usando o imaginário da mitologia. Por vezes, parece que governantes, comentadores e profissionais do setor abordam este grave problema como se estivessem a falar de um mundo de fantasia. Um mundo habitado por criaturas irreais, onde nada é o que parece e todos insistem em focar-se em mitos e fantasias, em vez de enfrentar a realidade.
Quimera: Ler o Mercado para Além das Manchetes
Uma quimera é uma mistura de diferentes criaturas, uma mescla entre fantasia e realidade, que espelha bem o contraste entre o "mercado ideal" vs. o "mercado real".
O mercado imobiliário em Portugal vive um paradoxo. Por um lado, as notícias falam de vendas recorde, com o valor das transações a atingir o ponto mais alto desde 2009. Por outro, quem procura casa encontra uma realidade de escassez, preços altíssimos e uma competição feroz. Os números oficiais mostram um crescimento impressionante no número de transações e nos preços de venda, as agências imobiliárias anunciam records sucessivos...mas para muitas famílias, o sonho de ter casa própria parece cada vez mais distante.
Vou tentar desmistificar este cenário, separando os factos dos mitos. Vou começar pelo que se passa na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com especial atenção a Lisboa, Sintra, Cascais e Oeiras. Vou analisar, passo a passo, a dinâmica de preços, e desfazer a ideia de um "boom" igual para todos. Dedicarei algum espaço para o impacto de fatores como os novos apoios ao crédito para jovens e o investimento público na área da habitação. No fundo, o meu objetivo é separar o trigo do joio entre as estatísticas e as notícias com que, dia após dia, somos bombardeados num dos mercados habitacionais mais complexos da Europa.
Esfinge: O Enigma dos Números
A Esfinge adora enigmas: por trás dos números há sempre uma face oculta que é preciso decifrar, em vez de os aceitar de forma apressada.
O Que Significam os Preços Recorde na Grande Lisboa?
A ideia de que o mercado está sempre a subir não é um mito, é uma realidade estatística. Os dados mostram uma explosão de preços que tem vindo a acelerar, ano após ano, em Portugal e no resto da Europa. No 1º trimestre de 2025, o preço mediano das casas em Portugal subiu 18,7% em relação ao ano anterior, chegando aos 1.951 €/m²! Este valor não só representa a maior subida dos últimos 5 anos, como é quase o dobro do valor de há seis anos. Este crescimento coloca Portugal no topo da tabela europeia, o que é ótimo para os investidores, mas um desafio para os compradores portugueses.
Grande Lisboa: O Epicentro da Pressão
É na Grande Lisboa que a pressão sobre os preços atinge sucessivos records, com valores 66% acima da média nacional. Uma análise aos concelhos onde se centra a minha atividade de mediação mostra um cenário bem diferenciado:
- Lisboa: A capital continua a ser o mercado mais caro do país. Em 2025, os preços médios por metro quadrado andam à volta dos 5.200 €, mas podem chegar aos 7.179 €/m², dependendo do tipo de imóvel, da freguesia, ou até do bairro. Curiosamente, a subida anual de preços em Lisboa (cerca de 4,1%) é neste momento mais moderada do que nos arredores, o que pode indicar que Lisboa está a chegar a um limite, condicionado pela estagnação da procura.
- Cascais: Sinónimo de qualidade de vida e segurança junto de compradores estrangeiros, Cascais tem preços que competem com os da capital, rondando os 5.375 €/m². O crescimento anual é semelhante ao de Lisboa (+4,1%), mas o concelho destacou-se por uma aceleração notável, que aumentou 14,8% no 1º trimestre de 2025, sinal de uma procura cada vez mais intensa. Os compradores estrangeiros, com destaque para os americanos, deram um contributo forte.
- Oeiras: Este concelho vive uma aceleração de preços dramática. Com uma subida de 21,4% no 1º trimestre de 2025, Oeiras teve um dos maiores aumentos do país. O preço médio atingiu os 4.314 €/m², posicionando-se como uma alternativa premium a Lisboa, mas com um crescimento muito mais intenso.
- Sintra: Antes vista como uma das opções mais acessíveis, Sintra está a mudar radicalmente. O concelho viu os preços subirem uns massivos 20,0% num ano, com o valor médio a chegar aos 3.061 €/m². Esta valorização explosiva mostra o "efeito de propagação": a pressão dos preços no centro de Lisboa está a empurrar os compradores para a periferia, com a consequente subida de preços nestas localidades.
É importante notar a diferença entre as estatísticas do INE, baseadas em vendas reais, e as estatísticas de portais de anúncios (como o Idealista), que se baseiam apenas nos "preços anunciados" (asking price).
Para um comprador, esta diferença é importante, apesar de num mercado sobreaquecido como o nosso, a margem para negociar ser pequena.
Estes dados mostram que a história do "boom" é mais complexa do que parece. Não há um crescimento uniforme. Enquanto os mercados mais caros de Lisboa e Cascais crescem a um ritmo mais moderado (cerca de 4,1% ao ano), os concelhos vizinhos de Oeiras e Sintra estão a aquecer muito mais depressa (21,4% e 20,0%, respetivamente). Isto acontece porque os mercados tradicionalmente com mais procura, como Lisboa e Cascais estão a ficar demasiado caros, mesmo para quem tem maior poder de compra, entre os quais os compradores estrangeiros. Essa procura está a "transbordar" para a periferia mais próxima. Quem já não consegue comprar em Lisboa ou Cascais, vira-se para Oeiras, Sintra, Mafra, Loures e os concelhos da margem Sul de Lisboa, inflacionando os preços nessas zonas. A lenda de que Sintra, Odivelas, Seixal, Almada e Montijo são localidades com preços acessíveis é uma "realidade em vias de extinção", transformando estes antigos "refúgios acessíveis" em novos mercados caros e empurrando as famílias de rendimento médio para cada vez mais longe.
Concelho | Preço Mediano €/m² (Nov 2021) | Preço Médio €/m² (Ago 2025) | Crescimento Total % (2021-2025) | Crescimento Anual % (2024-2025) |
---|---|---|---|---|
Lisboa | 3.790 € | 5.866 € | 54,8% | 4,1% |
Cascais | 3.094 € | 5.375 € | 73,7% | 4,1% |
Oeiras | 2.839 € | 4.314 € | 51,9% | 5,0% |
Sintra | 1.623 € | 3.061 € | 88,6% | 20,0% |
Nota: Os dados de 2021 referem-se ao preço mediano de transação (SIR/Confidencial Imobiliário), enquanto os dados de 2025 referem-se ao preço médio de listagem (Idealista). A comparação ilustra a tendência de valorização, embora as metodologias difiram.
Harpia: A Escassez da Oferta face à Procura Intensa
Harpias simboliza a impiedade, a fome constante, tal como como a procura insaciável por casa no meio de tanta escassez de imóveis para venda
Um dos maiores mitos é que os preços altos são culpa apenas de especuladores ou de compradores estrangeiros. Embora estes tenham o seu papel, o problema de fundo é muito mais estrutural: uma escassez grave e crónica de casas para venda. O stock de habitação disponível em Portugal encolheu 26% desde o seu pico em 2020.
O Abismo entre o Sonho e a Realidade em Lisboa
A situação em Lisboa é crítica. A oferta de imóveis para venda caiu 39% desde o final de 2020, com quebras adicionais de 8% a 10% só na primeira metade de 2025. Isto significa que há cada vez menos casas para cada vez mais gente.
A melhor forma de ver este desequilíbrio é o "desfasamento" entre o que as pessoas procuram e o que o mercado oferece. No distrito de Lisboa, este fosso é de 90%.
Na prática, as pessoas procuram casas na ordem dos 302.931 €, mas o preço médio do que encontram é de cerca de 575.000 €.
Esta diferença não se consegue cobrir com a margem de negociação, é um desfasamento total que torna o mercado inacessível para a maioria.
Ao contrário do que se possa pensar, a procura por parte dos portugueses continua muito forte. É esta procura interna, a competir por um número cada vez menor de casas, que mais faz subir os preços.
Este cenário cria um ciclo vicioso. A falta de casas leva a que os compradores sintam urgência em comprar, o que gera guerras de lances e faz os preços subir ainda mais. Por outro lado, os atuais proprietários hesitam em vender, porque sabem como será difícil e caro encontrar uma nova casa. Este efeito reduz ainda mais a oferta.
Os promotores imobiliários, por sua vez, enfrentam licenciamentos demorados e custos de construção elevados, pelo que a nova oferta que chega ao mercado é quase sempre para o segmento de luxo, não aliviando a pressão no mercado intermédio. O resultado é um mercado menos dinâmico, onde o desfasamento de 90% entre o que se procura e o que se oferece é o sintoma mais claro deste problema.
Indicador | Valor |
---|---|
Redução do Stock de Habitação à Venda (Lisboa, desde o pico de 2020) | -39% |
Desfasamento de Preços (Procura vs. Anunciado, Distrito de Lisboa) | 90% |
Desfasamento Nacional (Oferta vs. Procura) | 67% |
Hermes: o portador de boas-novas cuja mensagem se transforma numa faca de dois gumes
Hermes é o mensageiro, que proclama o pacote de apoio à compra de casa para os jovens, embora as suas consequências sejam contraditórias.
O Efeito Inesperado dos Apoios ao Crédito
Para tentar ajudar, o Governo lançou um pacote de medidas para jovens entre os 18 e os 35 anos. Embora bem-intencionadas, estas medidas estão a causar um efeito contrário num mercado já sob pressão.
As principais medidas do Credito Habitação Jovem são:
- Garantia Pública: O Estado funciona como fiador para até 15% do valor do imóvel (em compras até 450.000 €, para primeira habitação própria e permanente), o que na prática permite um financiamento a 100%.
- Isenções Fiscais: Isenção total de IMT e Imposto do Selo na compra da primeira casa, para valores até 316.772 €.
O resultado foi imediato: uma onda de procura por parte dos jovens! A garantia pública no crédito habitação para jovens termina a 31 de dezembro de 2026, o que obrigou o governo a injetar mais 350 milhões de euros, a somar aos cerca de 1.200 milhões de euros previstos em dezembro de 2024 e já quase totalmente utilizados.
Em 2024, quase metade (48,1%) dos pedidos de crédito à habitação foram feitos por jovens até 35 anos, um aumento de 9 % face ao ano anterior. As medidas estão a funcionar e a desbloquear o acesso ao mercado para quem não tinha capital para a entrada.
No entanto, a consequência não intencional não podia ser mais desastrosa. O erro fatal por detrás destas medidas é estimular a procura em massa num mercado onde não há oferta.
Ao injetar milhares de novos compradores, agora com financiamento a 100%, num mercado onde já faltam casas, estas políticas estão a piorar o problema.
É o "Paradoxo da Acessibilidade": as medidas criadas para ajudar a comprar casa acabam por fazer subir os preços, especialmente no segmento mais procurado pelos jovens. O mecanismo é simples: com a garantia e a isenção de impostos, milhares de jovens entram no mercado ao mesmo tempo, a competir pelos mesmos T1 e T2 ou T3, maioritariamente usados, em zonas onde antes era mais dificil vender as casas usadas, muitas delas a necessitar de renovação, como Sintra, Amadora ou outras freguesias menos valorizadas à volta de Lisboa. Com tanta procura para tão pouca oferta, é inevitável que os preços subam.
Por outro lado, os vendedores, sabendo dos apoios, têm menos incentivos para negociar. Um apartamento de 300.000 € pode facilmente passar para 320.000 €, anulando o benefício fiscal. O jovem acaba com uma dívida maior pelo mesmo imóvel. No fundo, esta política arrisca-se a transferir dinheiro dos futuros proprietários para os atuais, sem resolver o problema do acesso à habitação. E como muitos destes jovens têm salários baixos, esta dívida acrescida torna-se ainda mais pesada aumentando a sua taxa de esforço.
Mas o mais irónico é que algumas destas casas, vendidas ao abrigo dos apoios do Estado, não estão a servir o propósito inicial.
Muitos jovens compram estas casas, não para as habitar, mas sim para investir! Com o apoio dos pais, renovam-nas para as revender com lucro ou colocá-las no mercado de arrendamento do segmento alto.
E, pelo que referem alguns colegas especializados neste tipo de transações, não são assim tão poucas as situações.
Titã: O Monstro dos Custos de Construção e da Fiscalidade
Um Titã ou criatura colossal representa o peso esmagador da fiscalidade e dos custos da construção no preço de venda de casas novas ou usadas
Impacto no Preço das Casas Novas
O preço de uma casa nova não é aleatório; reflete os custos de produção. O Índice de Custos de Construção de Habitação Nova (ICCHN) tem subido de forma persistente, com aumentos anuais entre 3,1% e 3,8% no início de 2025.
O Peso da Mão de Obra e a Volatilidade dos Materiais
Atualmente, o principal motor do aumento dos custos de construção é, sem dúvida, a mão de obra. Este custo tem tido subidas anuais acentuadas, entre 6,9% e 8,6%, refletindo a falta estrutural de trabalhadores qualificados no setor da construção.
O preço dos materiais, por sua vez, tem sido mais instável. Depois de uma descida em 2024, voltou a subir em 2025, mas de forma mais contida (entre 0,2% e 1,1%). No entanto, há grandes variações: vidros e espelhos chegaram a subir 20%, enquanto o aço e a madeira desceram de preço. Esta volatilidade torna o planeamento de novos projetos muito difícil para os promotores.
O Resultado: Um Fosso Crescente entre Novo e Usado
Esta estrutura de custos faz com que as casas novas sejam muito mais caras. Segundo o INE, o preço médio por metro quadrado na habitação nova é 50% superior ao da usada. Este "prémio" significa que a maior parte da nova oferta se destina aos segmentos de gama média-alta e luxo, não resolvendo a falta de casas para a classe média-baixa. Com um custo de construção entre 1.200 € /m2 e 1.800 € /m2 - ao qual se somam custos de terreno, licenças, financiamento e lucro -, percebe-se porque é que a habitação nova a preços acessíveis é tão escassa.
Isto cria o "Dilema da Construção Nova": o tipo de casa mais necessário, de gama média e a preços acessíveis, é o menos rentável para construir. A lógica económica é clara. Os custos de produção e o preço dos terrenos na AML são tão altos que, para um projeto ser viável, o preço de venda tem de ser elevado. É muitas vezes mais seguro e lucrativo construir um condomínio de luxo do que vários apartamentos mais pequenos e acessíveis. Assim, a construção nova, que deveria ser a solução para a crise de oferta, acaba por alimentar o topo do mercado, aumentando o fosso no acesso à habitação.
Componente do Índice | Variação Média 2024 | Variação 1º Trimestre 2025 (Média) |
---|---|---|
ICCHN Total | +3,3% | +3,3% |
Custo da Mão de Obra | +8,1% | +7,0% |
Preço dos Materiais | -0,3% | +0,4% |
O Monstro dos Impostos: Como a Fiscalidade Molda o Preço Final da Sua Casa
A formação do preço de uma casa vai muito além da lei da oferta e da procura. Existe uma complexa teia de impostos que incide sobre quase todas as fases do processo, desde a compra do terreno até à assinatura da escritura. Esta carga fiscal tem um impacto direto e significativo no valor final, influenciando as decisões de compradores, vendedores e construtores.
Fase do Processo | Imposto Aplicável | Quem Paga | Impacto no Preço Final |
---|---|---|---|
Compra de Terreno | IMT, Imposto do Selo | Comprador (Promotor) | Custo inicial para o promotor, que será refletido no preço de venda da futura casa. A taxa de IMT para terrenos de construção é de 6,5%. |
Construção | IVA, IRC | Promotor/Construtor | O IVA (normalmente 23%) sobre materiais e serviços aumenta o custo de produção. O IRC (20% sobre o lucro) é calculado com base na margem de venda. Ambos são incorporados no preço final da casa nova. |
Mediação Imobiliária | IVA, IRS (Mais-Valias) | Vendedor | O vendedor paga 23% de IVA sobre a comissão da agência. O lucro da venda (mais-valia) é tributado no seu IRS, o que influencia o preço mínimo a que está disposto a vender. |
Formalização da Compra | IMT, Imposto do Selo | Comprador | Custo direto e significativo para o comprador, que acresce ao valor de aquisição do imóvel. O Imposto do Selo é de 0,8% sobre o valor da casa e também sobre o crédito. |
O Cântico das Sereias: O Verdadeiro Impacto do Investimento Público do PRR
As Sereias são perfeitas para a metáfora da sedução e da promessa irresistível do investimento público como solução mágica para o problema da habitação em Portugal
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) trouxe um investimento público, sem precedentes, ao setor da habitação, com cerca de 1,3 mil milhões de euros destinados à AML. O objetivo é ambicioso: reabilitar cerca de 20.500 casas e construir 4.600 novas em toda a região.
Os resultados já se veem no terreno. Até julho de 2025, mais de 5.000 famílias na AML receberam uma casa financiada pelo PRR. Municípios como Oeiras estão a entregar novas habitações, como as 64 casas no Alto da Montanha. O governo assinou acordos com os principais municípios da AML para acelerar os projetos e cumprir os prazos.
No entanto, há um detalhe crucial para quem procura casa no mercado livre: o público-alvo deste programa. A grande maioria (75%) do plano do PRR na AML foca-se na reabilitação de edifícios existentes, não em construção nova. Mais importante, estes programas são para dar resposta a famílias em "condições habitacionais indignas" e para aumentar o parque de habitação pública a custos controlados.
Isto cria um desfasamento entre a realidade viabilizada pelo PRR e as necessidades de um comprador de classe média. Embora seja um investimento vital para resolver um problema social grave, o PRR tem um impacto direto muito limitado na falta de oferta do mercado de habitação. O plano não foi feito para criar milhares de apartamentos para venda a preços de mercado.
A ideia de que o investimento do PRR vai "resolver" a crise da habitação é um mito. O seu impacto é muito específico e não vai aliviar a pressão dos preços no mercado aberto. A perceção pública é de uma solução em larga escala, mas o programa está focado nas populações mais vulneráveis, no mercado de rendas acessíveis e na renovação do parque público. O comprador médio de Sintra ou Oeiras não é elegível para estes apoios; ele compete no mercado livre. Reabilitar uma casa não adiciona uma nova casa ao stock disponível para compra. As 4.600 novas construções planeadas para toda a AML ao longo de vários anos são uma gota no oceano face ao volume de vendas anual, que em 2024 ultrapassou as 140.000 transações em Portugal.
O PRR é um programa social essencial, mas uma distração no contexto da crise do mercado livre. A sua existência está a criar uma falsa esperança, adiando as reformas mais difíceis, mas necessárias, para incentivar a construção privada destinada à classe média.
Metamorfos: o Mito do Investidor Estrangeiro, Quem Está Realmente a Comprar?
Metamorfos representa o mito do “monstro estrangeiro”, responsável pela inflação dos preços das casas, quando na realidade a maioria dos compradores são “humanos comuns”, ou seja portugueses
Uma das lendas mais comuns é que o mercado é dominado por estrangeiros ricos que são os responsáveis pela inflação de preços de venda das casas. No entanto, os dados mais recentes contam uma história diferente.
O Mito da Dominância Estrangeira
A percentagem de casas compradas por pessoas com morada fiscal fora de Portugal tem vindo a descer. No segundo trimestre de 2025, atingiu um mínimo de 4,9% do total de vendas, o valor mais baixo desde 2021. Foi o 4º trimestre consecutivo de queda, o que indica uma tendência clara.
A Força do Comprador Nacional
Em contraste, as famílias portuguesas são a força dominante do mercado. Uma das maiores redes imobiliárias do país reportou que os compradores nacionais foram responsáveis por 77,7% das suas vendas na primeira metade de 2025, um aumento significativo face aos 68,1% do ano anterior. O número de transações feitas por residentes em Portugal cresceu 25,5%, consolidando o mercado interno como o principal motor da atividade.
Embora a participação geral dos estrangeiros esteja a diminuir, o seu perfil mudou. Nos últimos anos, americanos e brasileiros mostraram grande interesse, com os americanos a liderarem as compras internacionais em Lisboa. Contudo, até este interesse parece estar a abrandar em 2025.
Assim, os dados mostram que a culpa da crise de preços não é, na sua essência, culpa dos compradores estrangeiros mais ricos. A crise é um fenómeno doméstico, impulsionado pela competição entre famílias portuguesas por poucas casas e pela forte imigração de mão-de-obra (especialmente brasileiros). A ideia de que "não conseguimos competir com o dinheiro de fora" é uma explicação simples, mas não corresponde à realidade. Se mais de 95% das casas estão a ser compradas por outros portugueses, o problema não é a procura externa, mas a competição interna. Para o comprador, isto é crucial: a sua competição não é um investidor estrangeiro anónimo, são outras famílias portuguesas na mesma situação.
Ou seja, as sucessivas medidas de cancelamento dos Vistos Gold, de carga fiscal acrescida e de ataque ao arrendamento local não conseguiram contrariar a inflação de preços nem resolver o problema da aquisição de habitação.
Fénix: Uma Estratégia para o Comprador num Mercado Desafiador
A Fénix simboliza renascimento, recomeço, ascensão por meio da estratégia bem pensada, deixando para trás ilusões e falsas promessas
A análise ao mercado imobiliário da Grande Lisboa revela uma realidade complexa. Não se trata de uma bolha especulativa criada por estrangeiros, mas de um mercado com uma crise de oferta estrutural. Esta crise é agravada por uma forte procura interna, ainda mais estimulada por apoios do governo que não foram sincronizados com a capacidade de resposta do mercado. Com custos de construção elevados e uma resposta de habitação pública focada no social, não há soluções fáceis à vista para quem compra no mercado livre.
Para si, enquanto potencial comprador, é essencial abandonar mitos. A ideia de Sintra como uma alternativa sempre "barata" está a desaparecer. A esperança de que o PRR inunde o mercado com casas para a classe média é irrealista. A crença de que limitar a compra por estrangeiros resolve o problema não é suportada pelos dados. A realidade é a de um mercado com falta crónica de casas, onde a competição é feroz e maioritariamente local.
Neste cenário, o comprador inteligente deve adotar uma abordagem estratégica:
- Preparação Financeira Sólida: Com o financiamento a 100% a ser uma opção, o que o diferencia é a sua robustez financeira. Ter uma pré-aprovação de crédito sólida e, se possível, capacidade para dar um pequeno sinal, pode fazer a diferença.
- Redefinir o que é "Valor": O valor já não está apenas no preço mais baixo, mas em imóveis com potencial a longo prazo. Pense em casas com boa eficiência energética, perto de futuras linhas de transporte (como o SATUO, que ligará Oeiras a Sintra), ou em zonas mais periféricas que ainda estão no início da sua valorização.
- Estar Preparado para Fazer Compromissos: O desfasamento de 90% entre o que se procura e o que se encontra em Lisboa é um facto. Esteja preparado para ceder em algo: na localização (viver mais longe), na tipologia (um apartamento mais pequeno) ou no estado do imóvel (considerar uma casa para obras).
- Pensar a Longo Prazo: Comprar casa na AML deve ser visto como um investimento de muito longo prazo. A era dos lucros rápidos com a compra e venda de casas é, para quem entra agora no mercado, uma miragem. O objetivo principal deve ser garantir uma habitação estável e não um ganho financeiro a curto prazo.