Ansiedade e frustração: como a habitação pode afetar a saúde mental

Enquanto especialista em mediação imobiliária, o Idealista convidou-me para responder sobre algumas questões relativas ao tema “Ansiedade e frustração: o impacto da habitação na saúde mental”

Dada a atualidade e pertinência deste tema, quer em termos sociais, políticos e económicos, num momento em que uma parte significativa da população portuguesa se debate com dificuldades no acesso à habitação, eis as respostas baseadas na minha experiência:

(Top▲)Quais são, hoje em dia, e muito resumidamente, as principais dificuldades para quem quer comprar ou arrendar casa?

No que diz respeito à compra de uma casa, os preços elevados, principalmente nas principais zonas urbanas ou nas localidades onde a procura turística é maior, constituem o principal problema. Este é agravado pelas dificuldades em contrair um empréstimo bancário. As taxas de juro Euribor atingiram valores que já não se registavam desde 2008. Além disso, os bancos têm vindo a endurecer as condições de aprovação dos créditos à habitação, analisando a taxa de esforço dos requerentes, que, segundo as recomendações do Banco de Portugal, não deve exceder 35%.

Relativamente ao arrendamento de casas, as dificuldades são semelhantes: o valor elevado das rendas mensais é o maior obstáculo. O mercado de arrendamento nas grandes cidades é tão reduzido e os preços tão altos que a maioria dos novos contratos são assinados com clientes estrangeiros, que dispõem de maior poder de compra.

(Top▲)Qual é a raiz do problema, em Portugal?

Não há uma única razão. Mas, se tivesse de eleger o 'Top 4' dos principais motivos por detrás da atual crise no acesso à habitação, seriam estes:

  1. Escassez de imóveis de nova construção: Este é um problema que se agravou após a crise de 2008, com a falência de muitas empresas de construção civil, a emigração de profissionais deste setor para outros países e a mudança estratégica de muitas grandes empresas de construção, que passaram do segmento residencial para as obras públicas ou negócios fora de Portugal.
  2. Subida dos custos de construção: Isto deve-se, em parte, ao facto de, durante alguns anos após a crise de 2008, os preços dos serviços e materiais terem estado comprimidos, e, por outro lado, às sucessivas crises mundiais: a pandemia de 2019, o aumento dos custos dos combustíveis, a escassez de mão de obra que levou ao seu encarecimento e ao aumento da inflação em geral.
  3. Escassez de terrenos urbanizados ou urbanizáveis nas principais áreas metropolitanas de Lisboa e Porto: Devido ao desequilíbrio entre a procura e a oferta deste tipo de imóveis, muitos proprietários aproveitaram a oportunidade para aumentar os preços.
  4. Perda de competitividade no setor imobiliário, que dificulta a redução dos preços, mesmo com a dissipação dos efeitos da inflação:
  1. A pressão fiscal aumentou significativamente nas duas últimas décadas, de forma direta e indireta, penalizando todas as etapas de construção de uma casa, desde a urbanização de um terreno, passando pela construção até à mediação da venda final. Segundo alguns estudos, o impacto fiscal na formação do preço de venda de uma habitação pode representar quase um terço.
  2. Aumento dos atrasos nos diversos licenciamentos por parte das câmaras municipais, em parte devido à pandemia e às restrições laborais associadas, e em parte por falta de investimento em recursos humanos, para dar resposta à retoma da construção após quase seis anos de paralisia.
  3. A regulamentação no setor da construção civil tornou-se mais exigente e complexa na última década, devido a exigências provenientes da Comunidade Europeia. Isto levou a um aumento dos custos com mão de obra e outros processos administrativos, os quais se refletem no preço final das casas.

(Top▲)Para um jovem que quer comprar a primeira casa, que barreiras existem?

Em primeiro lugar, o BCE tem vindo a aumentar a pressão sobre o sistema bancário, via Banco de Portugal, para reduzir a taxa de esforço de quem recorre a um crédito para comprar casa. Se há 2 décadas um jovem podia obter um empréstimo, somado a um crédito pessoal e contrair deste modo uma hipoteca para financiamento até 100% da aquisição de uma casa, hoje em dia, tal é impossível.

Os baixos salários que se praticam em Portugal, especialmente para os mais jovens, aumentam a Taxa de Esforço e impedem que estes consigam contrair um empréstimo, caso não possuam um pé-de-meia razoável, entre 20% e 30% do valor de uma casa. Tudo aponta para que no futuro este valor venha a subir até aos 40% ou até 50%, como já aconteceu nos idos anos 80~90. Por outro lado, muitos jovens possuem um vínculo contratual de curto prazo, o que dificulta a tarefa de aprovação do crédito.

(Top▲)Faltam incentivos? Quais? E que desafios futuros enfrenta a nova geração?

Em Portugal e noutros países europeus, os promotores privados são e sempre serão os principais dinamizadores do setor da construção residencial. Atualmente, muitos promotores estão mais focados na construção destinada ao segmento alto, dado que a procura se mantém elevada, as margens são mais atrativas e os riscos são menores. Mesmo com o apoio do PRR ou de outros fundos europeus, a capacidade construtiva das câmaras municipais é limitada e os prazos de conclusão tendem a prolongar-se, o que é habitual nas obras públicas.

Assim, seria fundamental que, em vez de o Estado se concentrar na construção de habitação própria, para venda ou arrendamento (assumindo o papel de senhorio para o qual não está vocacionado), estabelecesse um regime facilitador para:

  • Promotores que queiram investir em construção acessível para jovens, de modo a:
    • Diminuir o impacto fiscal na aquisição de terrenos e nas diversas fases da construção habitacional.
    • Facilitar a conversão de terrenos rústicos em urbanos, muitos na posse das câmaras municipais, contra a condição de um preço máximo de venda por m², indexado por regiões, diminuindo assim o custo de aquisição dos terrenos.
    • Criar uma via prioritária nos departamentos de urbanismo das Câmaras Municipais, para licenciamentos desde a fase de consultas, passando pelo licenciamento da construção até à emissão da Licença de Utilização Final.
  • Facilitar o acesso ao crédito à habitação, melhorando as condições de bonificação do crédito, com apoio estatal, para compradores mais jovens (até aos 40 anos), ultrapassando as limitações impostas pelas regras do BCE para a Taxa de Esforço.

Quanto aos desafios enfrentados pela geração mais jovem, são mais do que previsíveis: sem meios para aquisição ou arrendamento de habitação, muitos jovens irão equacionar a emigração, opção infelizmente frequente para quem conclui a formação universitária.

(Top▲)Quem comprou casa debate-se, agora, com a subida dos juros e dificuldade em gerir a taxa de esforço. Como “sentem” o mercado, nesta matéria?

Por enquanto, apesar das previsões sombrias de muitos, estes jovens proprietários ainda não desistiram do seu sonho. Enquanto puderem, ou renegociando com os Bancos de modo a reduzir a subida das prestações, ou recorrendo ao apoio de familiares, vão tentando manter os seus compromissos bancários e conservar as suas casas.

Para muitos, é um "tica-tac" que vai esvaziando as suas poupanças enquanto esperam pela redução das taxas de juro do BCE. Se o BCE estender este período de alta de juros por demasiado tempo, muitos vão equacionar vender a sua casa.

(Top▲)Têm/tiveram conhecimento de algum tipo de casos de famílias que estejam no “limite” e para quem vender a casa seja opção?

Sim. Como trabalho essencialmente com o segmento da classe média-alta, deparei-me com casos semelhantes, especialmente por parte de famílias com filhos e, consequentemente, com uma estrutura de custos mais complexa. Estas famílias, mesmo tendo já iniciado o processo de mediação de venda, conseguiram reverter a decisão graças ao apoio dos pais, ou graças à renegociação bancária.

(Top▲)O Governo aprovou ajudas para os empréstimos da casa e apoios ao arrendamento. Como olham para estas medidas?

Estas medidas são manifestamente insuficientes e situam-se à margem dos principais agentes imobiliários: senhorios e promotores. Enquanto as medidas se focarem apenas do lado do comprador, serão sempre insuficientes e maioritariamente servirão para alimentar falsas expetativas e aumentar a desconfiança do setor imobiliário.

(Top▲)Paralelamente, faltam casas para arrendar e os preços dispararam. E há mais subidas à vista. Que diagnóstico fazem deste mercado?

Não era necessário esperar um ano, após a publicação do primeiro esboço do Pacote Mais Habitação, para constatar que as medidas então anunciadas e recentemente aprovadas seriam contraproducentes e gerariam desconfiança nos agentes imobiliários, principalmente no mercado de arrendamento.

Este pacote tem algumas medidas positivas, mas peca, mais uma vez, por olhar para o problema da habitação segundo uma perspetiva enviesada: a de achar que o problema de acesso à habitação se resolve apenas condicionando e regulando de forma rígida o mercado. O passado demonstrou que as vantagens imediatas e temporárias deste tipo de abordagem acabam sempre por ter um impacto negativo sobre o futuro do setor, porque minam a confiança dos senhorios e dos restantes investidores.

Desde janeiro, tenho assistido a muitos casos de proprietários que, estando confortáveis com a situação de arrendamento de longa duração, após o anúncio de várias medidas tendentes a aumentar a coação e a rigidez deste mercado, decidiram terminar contratos de arrendamento e vender os seus imóveis.

Enquanto não forem implementadas medidas com real impacto, que abordem o problema da habitação numa ótica integrada de incentivo à construção de casas, sem descurar os restantes problemas de gestão territorial (melhoria da rede de transportes e dos serviços de proximidade do Estado), estas e outras medidas serão apenas paliativos para um problema que não é exclusivo de Portugal, mas que tem um impacto maior nos nossos jovens.

(Top▲)Há quem procure nas periferias uma solução para arrendar casa, mas até aí os preços já são um desafio. É mesmo assim?

Sim, nos concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto que incluem 45% da população portuguesa esta tendência é comum a quase todos eles. Não se pode encarar o problema da habitação numa ótica meramente municipal; é necessário compreender que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto têm, por si só, a capacidade de contribuir para a solução deste problema. Contudo, se nada for feito, serão também afetadas pela mesma questão de desequilíbrio entre procura e oferta. As Áreas Metropolitanas possuem o potencial para incentivar a construção de mais habitações a preços mais acessíveis. Como?
Através da colocação no mercado de terrenos para construção coletiva mais baratos, através da facilitação de projetos de licenciamento e acima de tudo através da criação de uma rede de transportes integrada mais eficiente.

Seria extremamente relevante que as soluções que venham a ser implementadas para abordar estas questões de habitação e mobilidade incluíssem o potencial financeiro e a capacidade de gestão dos investidores privados. Sem a sua colaboração, tudo tenderá a ser marcado pela lentidão e insuficiência, como já observado anteriormente. O Estado já demonstrou que, apesar das boas intenções, promessas eleitorais e fundos europeus, o problema não só persiste como se agravou. Chegou o momento de o Estado reconhecer que a solução para a habitação passa por estabelecer parcerias e um regime de confiança mútua entre 'a força do público e a energia do privado'.

(Top▲)O adiantamento da caução é outra dificuldade extra, por exemplo?

No momento atual do mercado, em que a maioria dos arrendamentos disponíveis são promovidos a preços muito elevados, especialmente nas grandes zonas urbanas ou de vocação turística, não se pode afirmar que questões pontuais como a caução sejam um obstáculo. Enquanto a oferta permanecer muito inferior à procura, todos os imóveis que chegam ao mercado atraem imediatamente uma fila de interessados, especialmente por parte de estrangeiros, que pagam todas as condições requeridas pelos senhorios, ou quase todas :)

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