Estará Lisboa à mercê da especulação imobiliária?

Nos últimos tempos temos lido e ouvido comentários que criticam o panorama imobiliário em Lisboa, e em menor escala também no Porto, afirmando que este se encontra distorcido por via da especulação e que vivemos um momento de "bolha imobiliária" no que toca ao mercado residencial.

Que os preços de venda das casas (por metro quadrado) têm evidenciado uma curva ascendente nunca antes vista, por um período de tempo tão longo, parece óbvio. Mas impõe-se alguma reflexão mais afinada acerca deste tema, ao invés da simples constatação de que os preços escalam, ano após ano..

O ANTES...

Durante muitos anos o mercado imobiliário de compra e venda de imóveis em Lisboa esteve espartilhado por via das características específicas do mercado doméstico: elevada dependência do crédito à habitação por parte do comprador nacional; baixo poder de compra (PIB per capita 22.398€ contra 29.017€ na UE-2016); elevada taxa de esforço fiscal das famílias; rácio elevado entre o montante do empréstimo e o valor do imóvel dado como garantia (entre 80% e 90%); fraca capacidade de poupança por parte das famílias (5,8% contra 12,1% na Zona Euro-2016), etc. etc.

A somar a este estado de coisas, a crise económica que se abateu em 2008 e um mercado de arrendamento estagnado, contribuíram para afundar a industria imobiliária em Portugal, ao mesmo tempo que os imóveis iam perdendo valor.

E O DEPOIS

A partir de 2015, a dinâmica do mercado imobiliário em Lisboa mudou e as taxas de crescimento, em número e valor, das transações imobiliárias iniciaram um ciclo de crescimento atingindo sucessivos recordes. As causas são várias: o crescimento exponencial do turismo que, para além de dinamizar o consumo, atraiu novos investidores e residentes de diversas nacionalidades; o aparecimento de mecanismos de contrapartida fiscal destinado a estrangeiros (Visa Gold e Estatuto de Residente Não Habitual); os incentivos fiscais para reabilitação de imóveis degradados dentro das ARU (Áreas de Reabilitação Urbana); a atração de residentes estrangeiros por via da "boa publicidade" e divulgação que os media internacionais fizeram durante anos da cidade de Lisboa; o bom momento da economia portuguesa e mundial, o aumento da procura nas principais zonas urbanas (pela procura de emprego e porque este tem sido o padrão registado em todo o mundo), etc. etc.

E, como todos sabemos, num mercado imobiliário liberalizado é a lei da oferta e da procura que forma os preços de venda. Mais procura e oferta limitada têm uma consequência óbvia: aumento do preço/m2 dos imóveis. À parte as questões de ordem social e demográfica que afectam os compradores portugueses, colocam-se várias outras questões: Iremos continuar a assistir a esta escalada de preços nos próximos anos? Estará este crescimento a pôr em causa o mercado imobiliário em Lisboa aumentando o risco de assistirmos a um "fenómeno de bolha" ? Será um fenómeno único?

E QUANDO NOS COMPARAMOS COM O RESTO DA EUROPA?

Nada como olharmos para os dados estatísticos disponíveis para estabelecer uma correlação entre os valores de venda praticados no mercado imobiliário nacional e o que se passa no restante espaço europeu. Mas vou fazê-lo apenas para as zonas urbanas onde o crescimento dos preços mais se tem feito sentir: as zonas prime históricas do centro das cidades. E uma vez que é nessas zonas que por toda a Europa os preços atingem valores mais elevados, vou tentar comparar e correlacionar a realidade imobiliária com a produção de riqueza de cada país. O recurso aos indicadores de riqueza é justificado como barómetro e ao mesmo tempo como contrapeso para poder avaliar se esta dinâmica de crescimento está em linha com a de outros países e quais as perspetivas futuras, uma vez que a procura nessas zonas tende a ser preenchida por entidades e habitantes distintos das restantes zonas (turismo, quadros superiores, empresas, etc.)

Para tal utilizei os dados mais recentes disponíveis no Global Property Guide (Setembro/2018), onde são analisados os preços relativos à compra de um apartamento com aproximadamente 120m2 nas zonas nobres das principais capitais europeias.

No gráfico 1, em baixo, podemos visualizar os preços/m2 (Euros) para aquisição de um apartamento, praticados nas principais capitais europeias. Além disso calculámos o PIB (Produto Interno Bruto) por pessoa a preços correntes de cada país, expresso em Euros PPC. A Paridade do Poder de Compra (PPC) é o equivalente a uma taxa de câmbio e é usada para normalizar a comparação de preços entre países com diferentes custos de vida, sendo calculado a partir de um cabaz de produtos e serviços padrão. Desta forma podemos obter a riqueza produzida por cada habitante, expurgada do fator custo de vida de cada país.

No gráfico 2 podemos consultar os mesmos dados do gráfico 1 só que corrigidos por um factor que relaciona o PIB per capita de cada capital com o PIB português, obtendo-se assim um preço/m2 expurgado das diferenças de rendimentos / custo de vida, dos outros países face a Portugal.

Custo comparativo da compra de uma casa nas principais capitais europeias

Fontes: FMI para os valores estimados do PIB e o Global Property Guide para os preços do imobiliário.

AS CONCLUSÕES

A Área Metropolitana de Lisboa (AML) é a única região de Portugal que registou - em 2017 - um PIB per capita – riqueza produzida por habitante – superior ao da média da União Europeia (UE): 102% contra 100%. Em termos nacionais Portugal regista em média 77%, o quinto valor mais baixo da Zona Euro - apenas à frente de Estónia, Grécia, Letónia e Lituânia.

Quando observamos o gráfico 1 percebe-se que o preço/m2 praticado em Lisboa ainda está bastante longe dos preços observados nas capitais europeias mais caras (17ª posição), embora se destaque em relação à Grécia e a outros países do Leste.

Mas quando observamos o gráfico 2, onde as diferenças de riqueza e custo de vida entre os habitantes das várias cidades se encontra esbatido pela correção matemática, os preços em Lisboa sobem e aproximam-se das capitais europeias onde é mais caro comprar um apartamento, com as características referidas (14ª posição).

Por outro lado, a perspetiva do gráfico 2 mostra ainda que o desequilíbrio é maior nas capitais europeias dos países com economias mais pobres ou emergentes, tal como Portugal, Grécia, Polónia e outros países do Leste. Os rendimentos e a riqueza aí produzida são menores, e torna-se mais difícil acompanhar os preços muito elevados que se praticam nos centros das cidades. Por outro lado, as cidades de países mais ricos como a Bélgica, o Luxemburgo, a Noruega e a Alemanha apesar dos preços dos imóveis serem mais caros do que Lisboa, são compensados pelos rendimentos superiores e um PIB mais elevado.

O bom momento económico que se vive atualmente na Europa e o aumento da procura registado nas grandes áreas urbanas está a empurrar os preços para cima, até porque nos países mais pobres ainda existe margem para crescer, face ao preço praticado nos restantes mercados mais amadurecidos. Todavia, constata-se que o ritmo de crescimento é demasiado elevado quando comparado com o ritmo de crescimento económico e o respetivo poder de compra que ainda caracteriza Portugal e os países da cauda da Europa. Assim, é expetável que venham a ocorrer momentos de correcção / estagnação nos preços praticados nas zonas mais inflacionadas.

Em 2018, ainda é de esperar um crescimento dos preços nas zonas nobres de Lisboa em linha com o passado recente, até porque este ano a procura por parte dos estrangeiros está ainda mais forte que a do ano passado. Em relação à periferia de Lisboa, o aumento de preços esperado será ainda mais notório pois para localidades como Amadora, Odivelas e Almada só agora se sente uma maior pressão na procura, em parte por os preços serem mais competitivos com os do centro da cidade e por outro lado porque a construção de novos fogos parece ter acordado da letargia vivida durante quase uma década.

Resumindo, é de esperar que o aumento que se regista atualmente na construção de novos imóveis na periferia das grandes cidades portuguesas venha a ser determinante no travão dos preços e no abrandamento da dinâmica especulativa do mercado. Mas contudo, tal como já aconteceu noutras cidades europeias o centro histórico tenderá a ser ocupado por inquilinos com maior poder de compra e pelas atividades ligadas ao turismo.

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